segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Emigração

 Nas décadas de 1970 e 1980, o quadro de emigração para o Brasil alterou-se profundamente: recebemos cada vez menos emigrantes e japoneses e as taxas de emigração de brasileiros para o exterior cresceram bastante. Em virtue da crise econômica do período, do aumento da violência urbana e do desemprego, muitos brasileiros trilharam o caminho inverso e buscaram melhores condições de vida fora do Brasil.


Pesquisa página 21
A classificação de um país como "de emigração" ou "de imigração" costuma se associar a um diagnóstico que, por simplista que seja, possui grande força: o de que as nações receptoras de imigrantes teriam atrativos derivados da qualidade de vida disponível à sua população, enquanto as terras "expulsoras" de emigrantes apresentariam graves problemas de ordem social, política e econômica.


Sabemos bem como essa classificação binária deixa de ser significativa no contexto da globalização, quando os movimentos de diversas escalas e durações se aceleram, quando as facilidades para o deslocamento se multiplicam (acompanhadas, é verdade, de importantes iniciativas de repressão aos fluxos migratórios), quando, enfim, a idéia de mobilidade, de flexibilidade, é erigida como valor a ser perseguido por indivíduos e economias.
A verdade é que assistimos à transformação de áreas tradicionalmente de emigração em terras de imigração, como no caso dos países europeus mediterrâneos. Ao mesmo tempo, outras áreas do planeta tornam-se lugar de trânsito para migrantes que pretendem atingir países de imigração. Países norte-africanos, como Marrocos e Líbia, europeus do Leste, como a República Checa e a Romênia, ilhas, como Malta, Chipre, a Sicília italiana e as Canárias espanholas, definem-se, do ponto de vista migratório, como "plataformas" para atingir a Europa Central e Ocidental. Eventualmente, as medidas de controle ao norte e a oeste contra tais migrantes acabam por transformar tais espaços de trânsito em áreas de estabelecimento duradouro ou mesmo permanente. O mesmo ocorre com o México, passagem para migrantes latino-americanos a caminho dos Estados Unidos. Ou seja, emigração, imigração, trânsito não são situações fixas, e sim sujeitas a processos de transição.
Tais exemplos deveriam nos munir de cautela contra as classificações, além de alertar para a considerável complexidade dos contextos atuais de deslocamento espacial. Encontra-se, porém, de tal forma estabelecido o imaginário da migração como busca de melhores condições de vida na área de destino e/ou de rejeição a situações de opressão e carência na área de partida, que por vezes continuamos a trabalhar com as mesmas associações.
O objetivo da presente contribuição será enfatizar a nova situação brasileira de país de emigração como um fato social e político que vem sendo progressivamente construído por meio de uma mudança nas representações sociais relativas aos deslocamentos internacionais de população. Selecionamos, como via de acesso a essa mudança, um material constituído por notícias veiculadas nos últimos cinco anos.
Ao tratarem do tema da migração, bem como de qualquer outro, os meios de comunicação fazem uso do discurso não-acadêmico (mesmo que eventualmente informado por membros da academia), utilizando a informação transformada em notícia como meio para conquista e consolidação de posições ante o mercado dos leitores. Para isso, podem apelar ao recurso da reiteração de idéias já estabelecidas e, curvando-se ao imperativo da informação breve e imediata, não privilegiar o aprofundamento analítico sobre processos sociais com alto grau de complexidade.
Acreditamos, no entanto, que, sendo jornais e revistas veículos preferenciais na transmissão de informações junto ao público sobre fenômenos que ultrapassam a escala local e nacional, uma análise da veiculação de notícias a respeito de um tema como a migração poderia contribuir para uma compreensão das mudanças na sua percepção.
No caso brasileiro, os primeiros trabalhos acadêmicos publicados sobre o novo fenômeno da emigração de brasileiros e os processos a ela associados vieram à luz no final dos anos 1980.3 Nas décadas seguintes, aos pesquisadores responsáveis por tais análises pioneiras juntaram-se outros, sendo possível hoje afirmar o estudo das comunidades de brasileiros no exterior como plenamente reconhecido pela academia.
A presente contribuição diferencia-se de tais estudos, já que pretende apenas assinalar, para um período de tempo determinado — 2001 a 2005 —, que tipo de atenção a imprensa brasileira vem dedicando ao fenômeno da emigração de brasileiros. Para tanto, analisamos e classificamos o noticiário conforme os anos, as áreas geográficas de referência e as ênfases em alguns temas selecionados, que foram os seguintes:
  • condições de vida e trabalho de brasileiros no exterior;
  • remessas de emigrantes brasileiros;
  • detenção, prisão, deportação de brasileiros por problemas de documentação ou travessia ilegal de fronteira;
  • envolvimento de brasileiros em tráfico de seres humanos, exploração sexual ou prostituição;
  • outros temas associados a brasileiros no exterior.


Crescimento na ocorrência do tema "emigração de brasileiros"
A coleta de material foi realizada basicamente por meio de edições eletrônicas de jornais. Ainda que sem pretensão estatística quanto à presença do tema na imprensa brasileira em geral, para o período considerado, acreditamos ter conseguido captar algumas descontinuidades e variações de ênfase perceptíveis no noticiário como um todo.
Ao observarmos a Tabela 1, elaborada para uma aproximação inicial a essas variações, verificamos o crescimento da ocorrência da emigração brasileira no noticiário, aparecendo em 2005 com o triplo das referências verificadas em 2000. Acreditamos que isso expressa uma atenção crescente da imprensa ao fenômeno, embora não possamos, conforme já alertado, valorizar em demasiado a expressão estatística de tal variação, mas apenas algumas ênfases. 


Um exemplo de como essas podem ter refletido, mesmo parcialmente, algumas descontinuidades está em como os temas associados à criminalidade de brasileiros no exterior e à sua participação em redes de tráfico de pessoas ganharam espaço ao longo do período. Evidentemente, isso pode ser associado à crescente visibilidade de tais temas não apenas no Brasil, mas no mundo como um todo. Mas expressa também, provavelmente, algumas mudanças na situação dos emigrantes brasileiros e nas suas estratégias de emigração.
Tomando-se o caso norte-americano, sabe-se que, até recentemente, as comunidades brasileiras não eram objeto de maior preocupação das autoridades locais, por seu grau relativamente baixo de envolvimento com atividades criminosas e pela sua reduzida visibilidade externa. Porém, o crescimento da presença brasileira, as novas vias de acesso empregadas (travessia da fronteira sul, em detrimento da entrada por via aérea) e a intensificação das medidas de controle sobre estrangeiros após o 11 de Setembro parecem ter modificado esse quadro. Notícias sobre aviões fretados pelo governo norte-americano para repatriação de brasileiros em situação irregular começaram a se tornar mais e mais freqüentes.
Também na Europa, o desenvolvimento de redes clandestinas de facilitação à migração (via travessia ilegal de fronteiras ou, mais importante no caso em foco, falsificação de documentos) vem contando cada vez mais com a presença de brasileiros no noticiário sobre elas. No caso europeu, as referências à prostituição e à exploração de imigrantes (destaque para mulheres) apareceram com freqüência crescente ao longo do período.
As remessas de brasileiros no exterior e suas repercussões nas áreas que as receberam foram outro tema em que se verificou crescimento, mesmo sem alcançar o grande número de referências verificadas nos demais temas já mencionados. As informações sobre um montante superior a cinco bilhões de dólares que teriam sido remetidos ao país por emigrantes no exterior atraíram a atenção da imprensa e mereceram destaque no noticiário.
As ênfases e os silêncios do noticiário na abordagem dos emigrantes brasileiros não devem, todavia, ser tomados como indicadores absolutos da intensificação, arrefecimento ou mudança qualitativa dos processos migratórios. Como será destacado mais adiante, o exame do material de imprensa indica claramente como eventos excepcionais e interesses mercadológicos podem também ditar a atenção do noticiário.

O tema da emigração segundo área geográfica de destino
As áreas que apareceram com destaque no noticiário como lugar de destino de emigrantes brasileiros foram: Estados Unidos, México, Japão, Portugal, Espanha, Itália, França, Irlanda, Reino Unido, Paraguai, Bolívia, fronteira norte (Colômbia, Suriname, Guiana Francesa) e outras com menor número de ocorrências. O material de imprensa examinado foi classificado de acordo com cada uma delas, e a seguir tecemos algumas observações a respeito dos temas abordados.
Uma observação inicial sobre a distribuição geográfica do noticiário, tal como expressa pela Tabela 2, é a de que os Estados Unidos concentraram a maior parcela, alcançando cerca de um terço de todo o material. O significativo e crescente contingente de brasileiros nesse país, somado ao fato da irregularidade da presença e das vias alternativas para emigração através da fronteira sul dos Estados Unidos acarretaram, também, um noticiário sobre prisões e deportações a partir do México, cada vez mais uma área de trânsito para o território norte-americano


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